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EUTANÁSIA, UM ASSUNTO POLÊMICO

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EUTANÁSIA, UM ASSUNTO POLÊMICO

Qualquer assunto que, direta ou indiretamente, se relacione com a morte é sempre delicado e carregado de tabus. Isso pode ser observado, principalmente nas culturas ocidentais e, na cultura brasileira os tabus são muito acentuados. Crenças, valores, tradições e, principalmente as poucas discussões sobre o assunto são os principais fatores que provocam essa nossa recusa em considerar a possibilidade de nossa finitude.  É como se, falar sobre a morte pudesse trazer “mau agouro” e, de alguma maneira, fosse atraí-la ou antecipá-la.

Hoje vamos falar sobre Eutanásia, e para nos informar sobre esse tema tão polêmico contamos com a competência da Dra. Luciana Dadauto, especialista no assunto, que escreveu um artigo científico o qual transcrevemos (em parte) a seguir.  

MORTE DIGNA PARA QUEM? O DIREITO FUNDAMENTAL DE ESCOLHA DO PRÓPRIO FIM

1 – Introdução

O aumento da expectativa de vida da população mundial, aliado ao desenvolvimento tecnológico e farmacológico, tem provocado uma mudança nas causas e nas formas de morrer. Doenças que causavam uma morte rápida até o século passado adquirem, no século XXI, o status de doenças crônicas, com sobrevida de décadas. Assim, as discussões sobre a terminalidade da vida têm se modificado diuturnamente, alcançando os complexos status de dilema bioético, problema moral, demanda jurídica, questão médica e assunto comercial.

Nesse contexto, a expressão morte digna tem sido usada por diferentes setores para justificar diferentes perspectivas. É importante ressaltar, contudo, que o conceito de morte digna é subjetivo, forjado segundo valores individuais e coletivos, e a utilização desse conceito para legitimar instituições, crenças ou práticas configuram verdadeira mercantilização do direito fundamental à morte digna.

Um olhar para o passado nos mostra que a expressão morte digna era usada para legitimar muitos homicídios eugênicos no nazismo. Na contemporaneidade, organizações que defendem a eutanásia e o suicídio assistido usam o direito à morte digna como justificativa para sua causa. Em posição oposta, defensores dos cuidados paliativos apontam ser essa abordagem a única capaz de propiciar a morte digna ao paciente em terminalidade da vida, posição referendada, inclusive, pela Igreja Católica.

Pretende-se, com este artigo, demonstrar que a dignidade no morrer relaciona-se à possibilidade que o indivíduo tem de, diante de determinados estados clínicos, fazer escolhas sobre seu fim e que, quando há restrição jurídica dessas possibilidades, a utilização do termo morte digna é apenas a opção por um nome empático e compassivo que, em verdade, mascara o paternalismo e a restrição às liberdades individuais.

2 – Nomenclaturas usuais no contexto da morte digna

Eutanásia: O conceito de eutanásia sofreu inúmeras modificações ao longo da História e foi paulatinamente conformado à realidade sociocultural de cada população. Leo Pessini (2004), bioeticista brasileiro de renome internacional, apresenta a evolução histórica do conceito, dividindo-o em três etapas:

Eutanásia ritualizada: remonta à civilização greco-romana, na qual a eutanásia era tida como a morte boa. Daí, inclusive, vem a origem etimológica da palavra, eu (boa) – thanatos (morte). Nesse momento, a morte era tida como um ritual intrínseco à cultura dos povos.

Eutanásia medicalizada: é produto do surgimento da Medicina na Antiguidade e perdeu força com os desdobramentos da Segunda Guerra Mundial. A ideia hipocrática é de que o foco na Medicina é a cura das enfermidades e que, quando não há mais cura, é possível abreviar a vida do doente. Assim, quando o paciente estava desenganado, o médico não tinha mais nada o que fazer, razão pela qual era aceitável que se abreviasse a vida do doente.

Com o Cristianismo, a eutanásia passou a ser uma prática combatida, pois era entendida, ao mesmo tempo, como um pecado, um ato imoral e ilegal. No período do Renascimento, Francis Bacon (2019) revive o termo, afirmando que “os médicos devem adquirir habilidades e prestar atenção em como o moribundo pode deixar a vida mais fácil e silenciosamente. A isso eu chamo a pesquisa sobre a eutanásia externa ou morte fácil do corpo.” A partir de então, renasce a ideia de que a eutanásia é a abreviação da vida de um moribundo por compaixão.

Em meados do século XX, o nazismo trouxe um novo significado ao termo associando-o à eugenia, ou seja, à morte provocada com a função precípua de prevenir enfermidades hereditárias. Tal fato gerou uma nova onda contrária à eutanásia no mundo e que prevalece ainda hoje.

Eutanásia autônoma: após a Segunda Guerra Mundial, o paciente – em qualquer estágio de adoecimento – começa a ser visto como um sujeito de direitos cuja autonomia precisa ser respeitada. É preciso entender o contexto tecnocientífico dessa época. Ao mesmo tempo em que a autonomia do paciente estava em ascensão, ascendia também a tecnologização da Medicina, com a descoberta de novos medicamentos, novos procedimentos e novos aparelhos, que permitiam que a morte não fosse mais um evento natural, mas um evento controlado pelos médicos (ARIÈS, 2014).

Assim, se outrora não existia controle sobre a morte, porque ela viria no tempo certo, na contemporaneidade é possível controlá-la. Mais ainda, é possível lutar contra ela com todo o aparato tecnológico disponível.

Nesse cenário, surge a eutanásia autônoma: modelo que coloca o paciente no centro do ato. É ele quem não deseja mais estar vivo. É ele quem pede a morte. É ele quem causa a compaixão no profissional.

Em que pese o conceito de eutanásia ainda ser bastante controverso, “ao longo do tempo, consagrou-se o uso do termo para indicar a morte provocada, antecipada, por compaixão, diante do sofrimento daquele que se encontra irremediavelmente enfermo e fadado a um fim lento e doloroso” (VILLAS-BOÂS, 2017, Pensar, Fortaleza, v. 24, n. 3, p. 1-11, jul./set. 2019 p. 102)

E, mesmo diante do fato de que a eutanásia possui firmes bases em uma relação humanista e compassiva, no século XXI é uma prática lícita em apenas cinco países do mundo, sob normas bastante diversas.

  • Holanda: foi o primeiro país a legalizar a eutanásia, em 2002. A lei intitulada The Termination of Life on Request and Assisted Suicide foi precedida de um longo debate social e jurídico no país. Segundo Sumner (2017), a sociedade holandesa começou a discutir o tema em 1973 quando uma médica (Dr. Geertruida Postma) foi processada por ter administrado uma dose letal de morfina em sua mãe, uma senhora de 78 anos, que estava surda, paraplégica e pedia à sua filha que pusesse fim em seu sofrimento. A partir desse caso, outros casos chegaram ao Poder Judiciário que, a cada julgado, flexibilizava a conduta do profissional, até que a aprovação da lei aconteceu, baseando-se na autonomia do paciente e na dignidade no morrer.
  • Bélgica: foi o segundo país a legalizar esse instituto, em setembro de 2002, por meio de lei intitulada Law on Euthanasia. Sumner (2017) afirma que a lei belga sofreu forte influência da Holanda, uma vez que ambos os países têm uma tradição de autonomia individual. Todavia o processo sociocultural nesse país foi diferente do anterior, tendo início no Poder Legislativo que, entre 1980 e 1990, tentou, sem sucesso, descriminalizar a prática, mas, em 1996, os presidentes do Senado e da Câmara provocaram o reconhecimento da prática pelo Comitê de Bioética Belga e, em 2002, da lei.
  • Luxemburgo: legalizou a eutanásia em 2009, dando origem a uma crise institucional, pois o Grande Duque Henri não a sancionou, cabendo ao Congresso Nacional a derrubada do veto e a aprovação da lei, baseando-se, assim como a Holanda e a Bélgica, na autonomia do moribundo e na dignidade no fim da vida.
  • Colômbia: foi o primeiro país fora de Europa a tratar a eutanásia como ato lícito, em 1997. Nota-se que, diferentemente dos países que compõem o BENELUX, coube à corte constitucional colombiana derrubar a proibição da eutanásia, em uma interpretação extensiva do homicídio piedoso, fixando critérios objetivos para regulação da prática, notadamente no que diz respeito à necessidade de diagnóstico de terminalidade e manifestação autônoma de vontade do paciente. Nota-se que, até a presente data, não há uma lei específica na Colômbia, contudo, em 2015, a corte constitucional ordenou que o Ministério da Saúde estabelecesse um protocolo de acesso à eutanásia.
  • Canadá: trata-se do mais recente país a caminhar em direção à legalização da eutanásia no mundo. Assim como a Colômbia, o processo canadense ocorreu, primeiramente, no âmbito do Poder Judiciário. Após alguns hard cases, em 2015, a Suprema Corte canadense determinou que o Poder Legislativo regulamentasse o direito à eutanásia e ao suicídio assistido, reconhecendo a autonomia do moribundo. A primeira província canadense a legislar sobre o tema foi Quebec, em janeiro de 2016, e uma lei federal sobre morte medicamente assistida foi aprovada em junho de 2016.

Saliente-se que a discussão social sobre a eutanásia é pungente em outros países, como Itália, Estados Unidos da América, Portugal e Espanha.

No Brasil, a eutanásia tem sido entendida como crime de homicídio, além de ilícito ético frente às normas do Conselho Federal de Medicina. Tramita no Congresso Federal o projeto de lei do Senado n.º 236/2012 – já alterado por projetos de emendas subsequentes -, conhecido como projeto de novo Código Penal, que, em sua redação original, previa a criação de um tipo penal específico para a eutanásia:

Art. 122. Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave: Pena – prisão, de dois a quatro anos.

  • 1º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima.

O objetivo era tratar a eutanásia como crime contra a vida diverso do crime de homicídio, possibilitando, no parágrafo primeiro, que o julgador concedesse o perdão judicial em determinadas circunstâncias, ou seja, o agente seria julgado pela eutanásia (independentemente do motivo o qual a realizou), mas deixaria de ser punido. Todavia esse tipo penal foi retirado do projeto antes de uma discussão social sobre o tema e não está mais em pauta, o que ceifa a possibilidade de ampliação do debate.

Luciana Dadalto – Doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Medicina da UFMG. Mestre em Direito Privado pela PUCMinas. Professora do Centro Universitário Newton Paiva. Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em Bioética do Centro Universitário Newton Paiva. Administradora do portal www. testamentovital.com.br. Belo Horizonte – MG- Brasil.  E-mail: lucianadadalto@uol.com.br. 2 Pensar, Fortaleza, v. 24, n. 3, p. 1-11, jul./set.4 Pensar, Fortaleza, v. 24, n. 3, p. 1-11, jul./set. 2019.

Para conhecer o artigo na integra acesse: file:///C:/Users/User/Downloads/9555-Texto%20do%20Artigo-35969-36397-10-20190930.pdf

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